João aprendeu cedo que a vida não é feita para ser justa, mas para ser enfrentada. Cresceu entre os gritos da mãe, que escondia o choro no travesseiro após sofrer copiosamente as violências de um namorado bêbado, sem o menor sinal de respeito ou afeto. Seus irmãos, ainda pequenos, foram tragados pelo brilho fácil do tráfico e da vida no mundo. Em sua trajetória, viu uma arma antes de ver um diploma.
Aos vinte e dois, já não tinha ninguém. Um por um, perdeu os pedaços que sustentavam seu mundo. Primeiro a mãe. Depois o irmão mais velho. Logo depois, a irmã do meio. E, por fim, seu pai. Vítimas indiretas do medo, da impotência e de um sistema que ensina a sobreviver, mas nunca a viver. João, com sua sexualidade escondida no fundo do peito como um segredo sujo, se viu sozinho. Sem família, sem afeto, sem lugar para encostar a cabeça.
Mas ele sonhava.
Ah, como ele sonhava. Não com fama, não com luxo. Sonhava com um diploma pendurado na parede, um nome em uma sala com porta de vidro, um cafezinho passado na hora e, quem sabe, alguém para dividir o sofá nas noites de sábado. Lutou com unhas curtas e nervos expostos. Panfletou na rua, trabalhou em empregos que ninguém queria. Estudava exaurido, amava escondido, resistia exposto.
Conquistou tudo o que pôde. Virou publicitário, daqueles que olham nos olhos dos outros como quem diz: “Eu te vejo”. Morava sozinho, sim, mas num lugar só seu. Ninguém mais lhe apontava o dedo. Usava camisas passadas, sapatos simples e carregava nas costas a dignidade de quem se fez do nada.
Amou poucas vezes, com intensidade, mas em segredo. Teve um namorado que só o chamava de “amigo” em público. Outro foi embora sem dizer por quê. João nunca exigiu amor, mas desejava ser escolhido. Apenas uma vez. Com todas as letras. Com todas as luzes acesas.
Hoje, ele caminha pelo bairro sem medo. Compra pão na padaria que antes evitava. Passa pela praça onde os irmãos brincavam e deixa uma lágrima secar no canto do olho. Ensina seus amigos a lidar com suas frustrações, mas também a resistir. Acredita, no fundo, que é possível não repetir o ciclo.
A casa de João continua silenciosa. Mas é um silêncio que ele aprendeu a ouvir. Nele, há lembrança, há dor, mas também há vitória. João, com sua beleza comum e sua vida extraordinária, continua, dia após dia, a ser farol em ruas onde a luz costuma não durar muito.